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Dicas de Escrita

Poetrix e Haicai: semelhanças e diferenças

Quem gosta ou escreve poesia sabe que esse gênero muitas vezes apresenta regras um tanto rígidas, como os sonetos, por exemplo. Mas, em contrapartida, ela também nos presenteia com novidades de vez em quando. É o caso do Poetrix, criado por Goulart Gomes em 1999, e o Haicai, criado no século XVI no Japão e conhecido no Brasil no século XX.

Ambas são novas modalidades de poesia mais curtas e objetivas. Para entender as semelhanças e diferenças entre Poetrix e Haicai, conversamos com escritores que se dedicam a inovar e a contribuir com a literatura e, em particular, com a poesia: Gourlart Gomes, criador do Poetrix, Mário Roberto Ulbrich e Ana Mello, que escreveram juntos o livro “Desafio Poetrix” e José Elesbán Rodrigues, escritor.



Escrita Criativa: Como surgiu a ideia e a vontade de criar uma linguagem poética, o Poetrix?

Goulart Gomes: a ideia surgiu em 1999, quando eu estava preparando um livro de haikais para publicação. Pedi opinião sobre o mesmo ao poeta Aníbal Beça (já falecido). Então, ele sugeriu que eu chamasse os meus tercetos do que eu quisesse, menos de haikais, porque não eram. Daí surgiu a ideia de apresentar uma nova proposta, com tercetos que abordassem temáticas contemporâneas, livres das exigências do haikai, minimalistas, afinados com as seis propostas idealizadas pelo escritor Ãtalo Calvino. Assim nasceu o poetrix, de poe (poesia) e trix (três), a poesia em três versos.

Escrita Criativa: Quais as principais características destes dois tipos de formas poéticas?

Ana Mello: os dois são tercetos. O Poetrix tem título e ele completa o poema. O haicai clássico não tem. Importante dizer que muitas pessoas publicam qualquer tipo de terceto, até com título e chamam de haicai, mesmo não obedecendo às normas, claro, isso acontece em todos os gêneros.

O haicai clássico tem uma contagem de sílabas poéticas – 7, 5, 7 e o poetrix admite até 30 sílabas poéticas e o título não entra na contagem. O haicai é no tempo presente e retrata uma cena da natureza vinculados ao kigô (a palavra que representa o termo da estação do ano), é descritivo e o autor não interage com o texto. Já o poetrix pode ocorrer em qualquer tempo (passado, presente, futuro), o poeta pode participar do poema, interfere e fala com o leitor através de mensagens subliminares. Poetrix é minimalista, busca dizer o máximo com o mínimo de palavras.

Goulart Gomes: o poetrix deve ter título, o haikai não necessariamente. O poetrix permite até 30 sílabas métricas na estrofe, o haikai apenas 17. O poetrix não tem o kigo japonês, ou seja, a relação a uma emoção, vinculada às estações do ano. O poetrix é minimalista, internáutico, dinâmico, conciso, metafórico, aberto a todos os temas. Ele pode ir do satírico ao trágico, passando pelo romântico, social, político, erótico, o que o autor desejar.

Mário Ulbrich: ambas as formas pertencem à família dos tercetos: três versos formando uma só estrofe. Encerram-se aí as semelhanças. O Poetrix não só aceita, como requer título, o que o Haicai não permite. O título é de grande auxílio no caso dos poetrix, visto não contribuir para a contagem das sílabas, mas poder auxiliar em dar sentido ao texto.

O Haicai refere-se a um fato ou acontecimento no tempo presente. Tem nas suas raízes uma filosofia oriental. Exemplo típico? Um monge sentado em uma pedra na beira de um lago, vê um peixinho dourado ensaiar um salto para além da superfície da água.

O Poetrix é atemporal; pode referir-se ao passado, presente ou futuro. Goulart Gomes, ao estabelecer a “bula” do Poetrix, pautou-se nas “Propostas Para o Próximo Milênio”, de Ãtalo Calvino”. Conforme consta na “Apresentação” do livro “Desafio Poetrix”, de Ana Mello e Mário Ulbrich, os apanágios do Poetrix são: leveza, exatidão, concisão, troca da ideia inicial dentro do mesmo poema, polissemia e fuga às obviedades.

Há uma acentuada diferença quanto à métrica, sendo mais rígidas as regras para o haicai, o que torna mais popular a realização de um poetrix. Rimas não são obrigatórias, mas particularmente considero melhor o poetrix rimado. Importante considerar que um poetrix não constitui uma frase dividida em três partes com os seguimentos sequenciais. Importante também entender que existem discordâncias envolvendo a classificação de tercetos, poetrix e haicais. Mário Quintana, em edição organizada por Ronaldo Polito, teve lançado o seu “O Livro de Haicais”, pela Editora Globo, em 2009. Todos os tercetos dispõem de títulos e desconsideram a rígida divisão silábica dos haicais. Como Exemplo:

“O Adolescente// Adolescente, olha! A vida é bela/ A vida é bela... e anda nua... / Vestida apenas com o teu desejo.”

Belíssimo, mas não é Haicai.

José Elesbán Rodrigues: a principal característica destas duas formas poéticas é a concisão, já que ambas só permitem três versos para que o autor faça seu poema. Nem sempre o autor consegue isso. São dezessete versos poéticos para o haikai, e até trinta (podem ser menos) para o poetrix.


Escrita Criativa: Aponte pelo menos três razões que fazem do poetrix e do haicai literaturas apaixonantes e interessantes.

Ana Mello: O trabalho com a palavra, a observação da vida e das coisas e a simplicidade em poder dizer tanto com tão poucas palavras.

Goulart: em primeiro lugar, a brevidade. Nesses tempos em que as pessoas dispõem de cada vez menos tempo para a leitura, os textos minimalistas ganham cada vez mais adeptos e leitores. Depois, a "surpresa". Um bom poetrix deve surpreender o leitor pela sua criatividade. Em terceiro lugar, pela possibilidade de interação entre autores e a diversidade de possibilidades. O poetrix possui inúmeras "formas múltiplas", sendo a principal delas o duplix, em que dois autores criam dois poetrix que se complementam. Outra é o grafitrix, um poetrix associado a uma imagem. Sempre estão surgindo novas variações do poetrix.

Mário: como poemas, são naturalmente emocionantes. Uma definição criativa de Roberto Frost é a de que: “Poesia é quando uma emoção encontra seu pensamento e o pensamento encontra palavras.” De fato, o poema preocupa-se em trabalhar a palavra, diferentemente de um texto que se ocupa com a criação da frase, atendendo as regras de gramática e ortografia.

Criar um Haicai é tarefa mais difícil do que a de criar um Poetrix. O haicai é um poema conciso com um total de 17 sílabas, tendo o primeiro e o último cinco sílabas apenas. No Poetrix o número de sílabas métricas de cada verso é livre, mantendo-se o limite de 30 para a soma das sílabas do terceto.

Tanto o haicai quanto o poetrix atendem às necessidades dos atuais escritores na busca de visibilidade através de postagens nas redes sociais. Os ambicionados leitores digitais dificilmente se ocupam da leitura de textos longos. A postagem de crônicas, contos, narrativas encontra espaços em sites e blogs. Mas as formas breves procuram a versatilidade das postagens nos aplicativos (Facebook, Instagram etc.). Se fazem acompanhar de fotos, desenhos etc.

Antecipando a publicação do livro papel, muitos acreditam ser importante a conquista de um grande número de “seguidores” nos meios digitais. Aparentemente a questão “resguardo dos direitos autorais” está sendo sobrepujada pela questão da necessidade da “conquista de seguidores”. Muitos dos atuais autores digitais na verdade escrevem desenhando: palavras e ilustrações. São também excelentes autores de frases, versando sobre o cotidiano, aliando senso de humor, paixão pelas palavras e lirismo, gerando textos de prosa poética.

Podemos citar os exemplos de Clarice Freire (Pó de Lua) e Pedro Antônio Gabriel Anhorn (Eu me chamo Antônio), entre tantos. Os autores de Poetrix e haicais se incluem nestes grupos. Dando continuidade ao aflorado na Semana de Arte Moderna de 1922, rima e métrica são dispensáveis, substituídas por ritmo e sonoridade. Para o atendimento aos quesitos de pouco espaço disponível para a exposição dos textos e a preferência dos leitores pelo dispêndio de um tempo mais reduzido para a leitura, os autores laboram sob o conceito da minimalização.

José: sobre essas formas serem apaixonantes e interessantes, acho que o mais interessante é que o haikai tenha origem japonesa, falando de temas da natureza daquele arquipélago, e de lá tenha ganhado o mundo. O poetrix é uma derivação do haikai, que oferece um pouco mais de liberdade ao poeta, com quase o dobro de sílabas possíveis, além do uso do título, que não há no haikai. A paixão é criar um poema relevante com tão pouco.


Escrita Criativa: Qual é a sua dica para quem deseja começar a escrever poetrix e haicai?

Ana Mello: ler muitos poemas nos formatos que pretende escrever. Ler a Bula Poetrix escrita pelo poeta baiano Goulart Gomes – criador do poetrix. Ao começar a escrever, não ficar amarrado ao número de sílabas, mas primeiro colocar sua ideia no papel e depois trabalhar o poema cortando palavras desnecessárias, buscando sinônimos, pesquisando.

Goulart: eu sugiro que, primeiramente, leia a Bula Poetrix, disponível no site www.academiapoetrix.net.br. Neste mesmo site, existem diversos ensaios e artigos sobre o poetrix que podem ajudar o novo praticante. Que participe dos grupos existentes nas redes sociais e pratique bastante.

Mário: dado à maior versatilidade, beleza e menor grau de dificuldades, sugerimos aos interessados na composição destes tercetos, iniciarem pelo Poetrix. Ele deve ser composto por ao menos um dos seguintes elementos, inspirados nas propostas de Ãtalo Calvino:

- Leveza. Uso de imagens sutis que devem trazer leveza, precisão e determinação ao Poetrix.

- Rapidez. Máxima concentração da poesia e do pensamento. Busca da frase em que todos os elementos sejam insubstituíveis.

- Exatidão. Busca de uma linguagem que seja precisa como léxico.

- Visibilidade. Qualidade de pensar e expressar imagens, colocando visões em foco.

- Multiplicidade. Expressão da pluralidade de possibilidades intertextuais e polissêmicas, provocando interações, criando formas.

- Concisão. O mínimo é o máximo. Dizer muito, falando pouco.

- Salto. Mudança da ideia inicial provocada no segundo ou terceiro verso da estrofe, acrescida de outros significados, permitindo uma nova compreensão do Poetrix.

- Susto. Elemento inusitado e imprevisível que provoca surpresa ao leitor. Fuga do lugar-comum, da obviedade, mostrando outros caminhos, possibilidades e contextos.

- Semântica. Exploração da polissemia de determinadas palavras ou expressões, permitindo variadas leituras e interpretações.

- Consistência. Através das fugas das obviedades, dos lugares-comuns, buscando expressar-se de forma original O que deve ser buscado pelos autores:

- Explorar o poder do título, para o qual não há limite de sílabas.

- Minimalizar: eliminar todas as palavras que estão sobrando.

- Pesquisar: uma ideia original pode ser enriquecida com informações complementares ampliando-a com conteúdo e significado.

- Utilizar Figuras de Linguagem, metáforas, enriquecendo o texto.

-Permitir que o não-dito fale: o poetrix deve instigar o leitor a buscar significados nas entrelinhas.

O que deve ser evitado:

- Orações coordenadas. O poetrix não é uma frase segmentada em três partes

- Não confundir Poetrix com Haicai

- Evitar/eliminar conjunções: mas, contudo, entretanto, porém, todavia, não obstante, no entanto, pois.

- Não forçar rimas. Buscar ritmo, sonoridade, riqueza semântica das palavras.

- Não confundir com provérbio, definição, frases de para-choque de caminhões.

José: a dica possível para quem quer começar é tentar. Com muita ou pouca inspiração, é necessária a transpiração, porque mesmo em arte, a prática vai nos aproximando da perfeição. Se os versos não forem os melhores no início, sempre se pode tentar aprimorar. Outra dica é procurar por quem tem trilhado o caminho. Há páginas na web sobre poetrix e alguns livros já foram publicados.

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