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Construção de um Conto: do jardim ao deserto

Num dia desses, atormentada pela construção de um conto, fui trabalhar no jardim, bastante abandonado. E eu observei que podemos traçar semelhanças entre a construção de um e o cuidado do outro. Cortázar já nos dizia, que o conto é “uma síntese viva” e essa afirmação não será menos verdadeira se transportada para um jardim.

No ato de mexer com a terra, remover as folhas, os galhos secos, as ervas daninhas e de fazer as podas, com o intuito de que as plantas tenham mais vigor, agimos como na elaboração de um conto, onde vamos cortando, depurando, substituindo as palavras, removendo todos os resíduos.

No jardim, vamos escavando, revolvendo a terra, assim como numa narrativa, quando deixamos de lado o que já está posto e temos que nos esmerar, errando e acertando, em busca da palavra precisa, para sermos breves, mas intensos.

O ato de podar pode nos causar dor, porque cortamos os galhos ainda vivos e até exuberantes e deixamos a árvore com o essencial, para que brote e ganhe nova vida, assim como no texto, quando vamos o desnudando dos artifícios, do colorido em demasia, representado pelos adjetivos.

Ao remover as heras, impedimos o crescimento livre e desordenado, para que os tentáculos não abafem o que está ao redor. No conto, vamos dando direcionamentos, para não perdermos o foco e sobrar no final somente a ponta do iceberg, que traz no submerso, um mundo a ser decifrado.

O editor e jornalista Heitor Ferraz, aponta que o conto para Horácio Quiroga, é um pedaço muito intenso de vida, captado em plena pulsão, e que, independente de seu assunto, continua pulsando após sua leitura. Assim são as sementes, pequenos receptáculos de vida, que não estão aparentes sobre a terra e nem paralisadas, mas fermentando, para no momento certo, explodir de variadas formas ou fenecer, de acordo com o alimento recebido, assim como a qualidade da narrativa dependerá, tanto da ideia do autor, como da sua capacidade de colocar sentidos ao que escreve e, posteriormente, da visão do leitor.

E podemos pensar em outra semelhança, a do tempo de incubação, de espera para que uma semente germine, uma planta podada volte a florescer, uma árvore dê frutos, uma flor desabroche. Na escrita, é necessário que haja um tempo de descanso, onde lemos e relemos, onde como a experiência de escritores como Milton Hatoum, nos alertam, que tenhamos paciência, para reeditar tantas vezes quanto for o necessário e lidar bem com isso. O conto precisa tanto de tempo como a terra.

Podemos considerar ainda, que a narrativa é lançada como uma isca ou pode ser vista, como diz o narrador de O coração da trevas de Joseph Conrad, que o significado não está dentro, mas fora, envolvendo o relato, “como o brilho revela um nevoeiro, como um desses halos indistintos que se tornam visíveis pelo clarão espectral do luar”, ou no comentário de Heitor Ferraz sobre a narrativa de Conrad, contada como “em um jogo sutil de espelhos”.

Quem sabe, um conto seja como um deserto, exigindo a agudeza do olhar, para se ver o que viceja ou se esconde sob o sol escaldante. Beleza que se mostra nos detalhes, no aparecimento sutil de um escaravelho ou na corrida de um coiote pelas sombras da noite. E, quando floresce como um bom conto, mostra-se belo e enigmático, como uma flor de um cacto na aridez do deserto ou como uma centelha de vida pulsando sobre a folha branca de papel.


Rosane de Fatima Cardoso é funcionária federal e psicóloga aposentada. Participa do Curso Livre de Formação de Escritores.

Rosane de Fatima Cardoso

 

 

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