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Escrevendo Teatro para Crianças

Segundo Viviane Juguero, para dialogar com o público infantil é essencial investigar o modo como a criança se relaciona com o mundo. Nesta entrevista a dramaturga fala sobre os princípios para elaboração de uma dramaturgia para crianças, a relação com as novas tecnologias e de como atrair a atenção da nova geração de crianças nativas digitais, além disso, nos explica sobre as similaridades e diferenças entre a brincadeira e a arte.

Viviane Juguero é dramaturga, pesquisadora, atriz e professora. Iniciou sua carreira artística em 1994 e a investigação sobre criações para crianças em 2003. É Doutora e Mestra em Artes Cênicas, pelo PPGAC da UFRGS, onde desenvolveu investigações voltadas à dramaturgia e ao teatro para crianças. Realizou Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES), na Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. É representante regional do Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ) e integrante da Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude (ASSITEJ), da Rede Internacional de Pesquisadores para Jovens Audiências (ITYARN), e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processos de Criação no Teatro para a Infância e Juventude do CNPQ, além de ser coordenadora e idealizadora do Bando de Brincantes, coletivo de arte com o qual desenvolve distintos trabalhos. Como dramaturga para crianças, destacam-se as peças teatrais “Canto de Cravo e Rosa” (Bando de Brincantes, 2007; Libretos, em 2009); “Jogos de Inventar, Cantar e Dançar” (Bando de Brincantes; Libretos, 2010), “Quaquarela” (Bando de Brincantes, 2012); “Peteca, Pião e Pique-Pessoa”, em co-autoria com Jorge Rein (Bando de Brincantes, 2018) “Lacatumba” (EDIPUCRS, 2018); o espetáculo transversal de “Ecos de Cor e Cór” (FORPROF/UFRGS, 2015); a série audiovisual “Jogos de inventar” (Bactéria Filmes; FSA/ANCINE, 2018), além do longa-metragem de animação “O jardim da rua 13” que está em fase de desenvolvimento, em produção Brasil/Espanha (Bactéria Filmes, Armazém de Imagens; Druzina Content; Castelo de Proa; FSA/ANCINE, 2019).


Como escrever peças teatrais para crianças sem subestimá-las e respeitando a maneira infantil de dialogar com o mundo?

Em minha práxis no trabalho com crianças, elaborada na articulação de mais de quinze anos de prática artística voltada à infância com todos os estudos teóricos realizados neste período, compreendi que para dialogar com o público infantil é essencial investigar o modo como a criança se relaciona com o mundo. Essa relação tem base em fundamentações emocionais extremamente vinculadas às distintas percepções, nas quais a musicalidade elementar, presente desde o útero, está integrada ao desenvolvimento da corporeidade e da sociabilidade. Neste sistema holístico, a teatralidade dos jogos simbólicos vincula-se à evolução progressiva da comunicação multiexpressiva, com base em distintas associações, relações e modos de emocionar relativos aos distintos grupos sociais.

Em meus estudos, reconheci que a criança se comunica com o mundo de forma pluriperceptiva e multissignificativa, fundamentada no que chamo de lógica lúdica infantil. Essa lógica não é apenas cognitiva, mas engloba razão, emoção e distintas percepções, por meio de sistemas integrados que partem de operações distintas das abstrações realistas do modo de pensar adulto. Desta maneira, proponho que o entendimento da lógica lúdica infantil embase construções artísticas dia-lógicas que partam de estruturas familiares que possibilitem instigar sentidos, percepções e elaborações por meio da forma como a criança se relaciona com o universo que a cerca.

Quais os princípios para a elaboração de uma dramaturgia para crianças?

Assim como uma pessoa para ser médica de crianças precisa ter todo o conhecimento de Clínica Geral associado à formação específica na área da Pediatria, o mesmo acontece nos demais campos profissionais. Deste modo, quem escreve dramaturgia para crianças precisa ter o mesmo conhecimento solicitado a quem escreve para o público adulto. Além disso, é fundamental investigar as especificidades que possibilitam um amplo diálogo com o universo infantil. A dramaturgia para crianças pode acontecer em qualquer gênero artístico e abordar qualquer tipo de temática desde que esteja fundamentada nos modos de compreensão e de relação da criança com o mundo. Em minhas pesquisas, além dos diversos estudos teóricos e empíricos, parto da investigação das estruturas composicionais das brincadeiras para construir distintos modos dialógicos com os grupos infantis projetados na criação.

Quem escreve literatura infantil diz que não se deve nunca ser pedagogizante, como muitos acreditam, evitando moral da história ou algo do tipo. Isso vale também para a dramaturgia para crianças? Por quê?

As criações estéticas pedagogizantes perdem sua essência comunicativa devido ao fato de que a linguagem artística passa a ser subordinada a outros campos do saber. No entanto, é fundamental reconhecer que toda a arte (e, evidentemente, todo o signo social) possui um caráter pedagógico. No caso da dramaturgia, a terceirização sintética de construções afetivo-racionais é um dos aspectos que influencia as formas de emocionar e agir, além dos valores éticos e morais que sustentam distintos modos de vida. As dramaturgias integram as raízes que fundamentam as emoções que geram ações, percepções, valores e elaborações. Por essa razão, a compreensão da especificidade da comunicação dramatúrgica é essencial para que quem cria assuma a sua responsabilidade pedagógica sem sucumbir a construções pedagogizantes.


As novas tecnologias modificaram o mundo e a forma como as crianças brincam hoje. Para você a tecnologia colabora para a criação de uma dramaturgia para crianças?

Eu tenho plena convicção de que as crianças brincam com base nas oportunidades que são oferecidas a elas e priorizam aquilo que é valorizado em seu ambiente social. As tecnologias trouxeram novas possibilidades de comunicação e fruição que possuem muitas potencialidades. No entanto, o excesso de exposição aos aparelhos eletrônicos tem resultado em inúmeros problemas de formação socioemocional, devido ao alijamento do amplo contato humano. A construção progressiva de distintas tecnologias faz parte do desenvolvimento da humanidade desde os tempos mais remotos. No entanto, na atualidade, atingiu níveis evolutivos nunca antes vistos. Com certeza, essas ferramentas trazem novas possibilidades. No entanto, vejo com preocupação os discursos que subordinam a comunicação com a criança às novas tecnologias. A formação estética engloba o desenvolvimento em inúmeras linguagens que são essenciais aos modos de comunicação sensíveis. O contato humano é indispensável ao desenvolvimento da empatia e do comportamento colaborativo. A excessiva aderência das crianças às tecnologias está muito mais relacionada a escolhas das pessoas adultas do que a decisões infantis. Por outro lado, o ser humano tem a tendência de buscar o que é conhecido. Portanto, quanto mais treinadas para lidar com equipamentos eletrônicos, mais as crianças os procuram e dependem deles. Desta forma, não cabe culpabilizar as tecnologias, mas, sim, repensar a pluralidade de experiências e as oportunidades de formação estética que estão sendo ofertadas às crianças, em cada contexto. A utilização de tecnologias contemporâneas é uma das possibilidades das construções dramatúrgicas, dentre muitas outras alternativas.


É mais difícil atrair a atenção desta nova geração de crianças chamadas de nativos digitais?

Não acho que é mais difícil atrair a atenção das crianças da atualidade. No entanto, é preciso ter consciência de que todas as formas de comunicação exigem aprendizado estético. Isso significa que não posso esperar que uma criança que nunca entrou em um teatro, por exemplo, tenha a mesma reação de quando assiste ao cinema, pois, na maioria das vezes, as crianças começam a ser treinadas para a linguagem audiovisual desde a mais tenra idade. O primeiro passo para buscar novas formas dialógicas, no meu entender, é partir de construções fundamentadas na lógica lúdica infantil. Cabe salientar que a criança possui uma colagem discursiva às pessoas adultas responsáveis por ela. Deste modo, a formação desta mediação é um aspecto muito influente no que concerne à fruição infantil e não pode ser negligenciado.


Quais as similaridades e diferenças entre a brincadeira e a arte?

As similaridades e diferenças entre a brincadeira e a arte têm sido discutidas há muitos anos por meio de inúmeros estudos ao redor do mundo. Em minha tese de Doutorado, faço um breve resumo sobre algumas destas teorias. No que concerne à dramaturgia, a situação é distinta e não encontrei investigações sobre essa especificidade além daquela que desenvolvo desde o Mestrado. Tanto a brincadeira como a dramaturgia surgem da teatralidade ontológica, uma propriedade humana que possibilita a dupla percepção consciente da ficcionalidade e da cotidianidade. Ou seja, eu vejo a criança e o animal que ela representa em uma brincadeira, assim como vejo a atriz e a personagem, simultaneamente. No caso da brincadeira, a criança possui uma relação interna com essa construção que tem base em experiências objetivas e subjetivas pessoais que buscam distintos modos de elaboração. Na fruição dramatúrgica, ou seja, quando uma criança aprecia uma construção artístico-discursiva, existe um distanciamento que oportuniza diversas formas de identificação e possibilidades de elaborações, fundamentadas em distintos modos de emocionar que surgem por meio do reconhecimento da alteridade. Esse assunto é extremamente complexo e tenho abordado em distintos estudos. No link Estudos Brincantes do site www.bandodebrincantes.com.br, disponibilizo diversos artigos, ensaios e entrevistas que integram esta investigação.

entrevista com Viviane Juguero

 

 

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